Em São Paulo, o aproveitamento dos solos lateríticos em camadas de sub-base de pavimentos teve início na década de 1940, logo após a introdução do uso do ensaio CBR, mesmo para variedades argilosas. Essa aplicação foi intensificada na década seguinte, com o objetivo de eliminar as deformações freqüentes (recalques diferenciais) de pavimentos com bases de solo cimento, construídas sobre solos que apresentavam baixos valores de suporte. Isto proporcionou maior familiaridade dos técnicos com esse tipo de solo, para pavimentação, e abriu caminho para a evolução das pesquisas. A primeira tentativa experimental sistematizada de utilização de solos lateríticos como base de pavimento foi realizada pelo DER-SP num dos acessos ao município de Campinas, na década de 1950, sob a orientação do engenheiro Francisco Pacheco e Silva, da então seção de Solos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Na ocasião foi utilizada base de argila laterítica compactada, protegida de todos os lados por pintura betuminosa. O desempenho apresentado manteve-se excelente por vários anos, em condições de conservação idênticas às demais contíguas.
A primeira utilização de base de Solo Arenoso Fino Laterítico (SAFL), no DERSP ocorreu na Regional de Araraquara, em maio de 1967, com a construção de duas variantes de trânsito na Via Washington Luiz (SP-310), com cerca de 300 m cada uma (denominadas Cambuy e Periquito). Projetadas e supervisionadas pelo engenheiro Fernando Custódio Corrêa, ambas tinham como revestimento um tratamento superficial simples e teriam de funcionar por três meses e meio, até a construção do trecho definitivo. Mesmo após o término do prazo de utilização das variantes, o pavimento mostrou-se em perfeitas condições, o que encorajou a realização de outras experiências. Na designação desse tipo do solo, o termo fino foi incluído para não se confundir com os pedregulhos lateríticos, que possuem elevada porcentagem da fração retida na peneira de 2,00 mm; às vezes o SAFL é tão fino que, praticamente, não possui fração retida na peneira de 0,42mm.
Além desses trechos experimentais do DER-SP, em maio de 1968 a Companhia Energética de São Paulo (CESP) construiu um trecho experimental, com a extensão de 1 km, na rodovia Pereira Barreto-Ilha Solteira (SP-310), sob orientação do Engenheiro Carlos de Souza Pinto do IPT-SP. Foi construído com base de SAFL, revestimento de penetração invertida tripla e inserido entre dois trechos: um com base de solo cimento e outro com base de pedregulho, ambos com o mesmo revestimento utilizado na base de SAFL. A experiência foi realizada para verificar a diferença de comportamento entre esse tipo de base e as outras convencionais, quando submetidas a um tráfego pesado, que era gerado pela construção da Usina Hidroelétrica de Ilha Solteira. Durante 33 anos de utilização, os trechos passaram por várias análises – a última em 2001 – sem ser constatada qualquer diferença de comportamento entre os três tipos de base. A rodovia foi recapeada e as bases continuam em serviço.
Paraná segue a trilha
O Governo do Paraná, em 1976, a fim deviabilizar seu plano de execução de rodovias vicinais solicitou o auxílio do Departamento de Vias de Transportes e Topografia da Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo, EESCUSP. Sob a coordenação dos professores Villibor e Corrêa, foram elaborados projetos de pavimentos econômicos totalizando mais de 1.000 km de extensão. Para aproximadamente 600 km, foram projetados pavimentos econômicos com base de SAFL, obedecendo às diretrizes apresentados por Douglas Villibor em 1974.
A experiência adquirida durante a obra foi fundamental para a evolução da tecnologia e revisão dos procedimentos, uma vez que em todos os trechos executados até 1980, a utilização das bases de SAFL baseava-se nas diretrizes propostas em 1974, que vinham apresentando dificuldades e deficiências. A revisão levou à elaboração de uma nova sistemática, proposta em 1981 na Tese de Doutoramento "Pavimentos Econômicos, Novas Considerações" defendida por Douglas Villibor na EESCUSP, a qual introduziu novos conceitos sobre o uso de bases da SAFL e apresentou uma nova metodologia de ensaios, utilizando os conhecimentos adquiridos até 1980.
A metodologia, desenvolvida juntamente com o engenheiro Job Nogami, passou a utilizar corpos de prova (cp) de dimensões reduzidas e, entre outras inovações, apresentou um novo critério de estudo tecnológico para definir intervalos de valores empíricos admissíveis das propriedades mecânicas e hídricas de um solo para ser usado em bases e também, recomendações construtivas e de controle tecnológico.
A nova sistemática leva em conta o fato de aquelas bases serem revestidas por camadas betuminosas delgadas (do tipo tratamento superficial), com alguns centímetros de espessura e trabalharem expostas diretamente às intempéries. Esses fatores exigem que a parte superior da base, além de resistir aos esforços de construção do revestimento, seja capaz de evitar que ocorra seu escorregamento, devido aos esforços verticais e horizontais, criados pelo tráfego. Como conseqüência, foi proposta uma dosagem adequada da imprimatura impermeabilizante e a melhoria do seu processo construtivo.
Tecnologia consolidada
Até o fim de 2003, a extensão da rede de rodovias do DER-SP utilizando a base laterítica já havia ultrapassado os 7.500 km equivalendo, a cerca de 75% das vicinais do Estado. Os primeiros trechos pavimentados em estradas, projetados para vida útil de três anos, apresentaram, após seis anos de utilização, comportamento muito satisfatórios sem terem sofrido recapeamento ou recuperação maior.
Há trechos inicialmente projetados como proteção à terraplenagem (entre eles Cambaratiba-Borborema, Ibitinga-Itapolis e Itajobi-Novo Horizonte) e construídos em 1974/75, que até meados da década de 1980 funcionaram como estradas efetivamente pavimentadas, sem apresentarem grandes problemas. Na realidade, ocorreram defeitos inerentes ao tipo de revestimento adotado (tratamento superficial delgado); entretanto são percentualmente pequenos, considerando-se a extensão total executada. Aqueles trechos, com esbeltos recapeamen
to executados posteriormente ainda continuam em serviço.
Tendo em vista o excelente comportamento apresentado nos trechos experimentais, a base da SAFL começou a ser empregada como parte integrante da estrutura de pavimentos econômicos, em substituição às bases convencionais, geralmente constituídas de material britado, pedregulho ou solo cimento.
Desde então, pavimentos com esse tipo de base vem sendo utilizados em vias urbanas, em pistas de aeródromos e em pátios de estacionamento. Dentre os trechos pioneiros de vias urbanas citam-se os construídos em Araraquara, Barretos, Descalvado, Presidente Prudente, São Carlos e, de pista de aeródromo, o da Base Aérea de Pirassununga, do Ministério da Aeronáutica, todos no estado de São Paulo.
Melhoria das vicinais
Em 2007 o DER-SP, dentro do Programa de Recuperação de Vicinais (Pró-Vicinais), verificou que ao longo de 8.000 km, cerca de 70% dos trechos pavimentados nas regiões centro, norte e oeste do Estado possuíam base de SAFL. O levantamento confirmou também, através da avaliação dos defeitos estruturais e de superfície desses pavimentos, o excepcional comportamento do pavimento nos trechos com esse tipo de base. Embora muitos trechos já estivessem com mais de 30 anos de uso, o custo da recuperação foi abaixo do esperado.
A maior parte do orçamento para recuperação, no programa, refere-se ao custo dos recapeamentos para melhoria da superfície, sendo que apenas um valor residual refere-se ao custo da recuperação da parte estrutural da base, tal como ocorreu no Programa de Recuperação de Vicinais do Paraná. Outra constatação importante foi que a recuperação das vicinais, com outros tipos de bases estabilizadas granulometricamente (solo-brita, pedregulho, brita graduada, bica corrida, etc), apresentou custos iguais, ou superiores aos com base de SAFL, para tráfegos similares.
Para tráfego pesado, já havia sido testado um pavimento com base de SAFL e camada de revestimento de 10 cm (5cm "binder" e 5 cm de concreto asfáltico) em três faixas adicionais da Via Washington Luiz (SP 310). Essas faixas apresentaram, durante o período de teste de 7 anos, um comportamento excepcional. Após esse período a rodovia foi recapeada, duplicada e as faixas experimentais transformadas em acostamentos. Essas e outras histórias estão contadas no livro "Pavimentos Econômicos – Tecnologia do usodos solos finos lateríticos", de Douglas Fadul Villibor e Job Shuji Nogami, recém lançado pela editora Arte & Ciência.
Fonte: Estadão