Ser ou não ser engenheiro e o legado de Paula Souza

Nildo Carlos Oliveira

Você quer ser engenheiro, para ser engenheiro?

A pergunta deixou o jovem perplexo. Seu sonho era a Politécnica. Ali, possivelmente houvesse uma abertura para o mundo. A hesitação durou apenas o tempo necessário para formular uma resposta esquiva:

– Ser engenheiro, para ser engenheiro? Talvez, não. Quero ser engenheiro a fim de partir para outra carreira. A natureza lógica da engenharia me ajudará nessa conquista.

A resposta me remete ao passado. Um pouco para além da fundação da Escola Politécnica de São Paulo, que ocorreu em 1894, quando a Paulicéia ainda não era a Paulicéia desvairada de Mário de Andrade, possuía apenas um pouco mais de 120 mil habitantes e a engenharia brasileira tentava florescer, mas amarrada à tecnologia dos ingleses em algumas áreas específicas, sobretudo nos incipientes ramais ferroviários.

Naquele cenário avultava a figura de Antônio Francisco de Paula Souza. Esse ituano, fruto de uma elite cafeeira, que nasceu em 1843, estudou em Zurique, namorou o movimento revolucionário de Giuseppe Garibaldi, na Itália, obteve sólido conhecimento científico e não escondia suas fortes convicções republicanas e abolicionistas, fez-se deputado estadual e colocou de pé o maior sonho de sua vida: criou a Escola Politécnica de São Paulo.

Ele achava que, àquela altura, ocaso do Brasil Imperial (a República só viria em novembro de 1889) o País deveria começar a adquirir vontade própria, assumir seu papel no mundo, e aplicar, na engenharia, conhecimento próprio ou assimilado nas vertentes europeias. A criação da Escola Politécnica nasceu sob o signo da futura industrialização brasileira, intensificada, depois da 2ª Guerra Mundial, com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional.

A Escola Politécnica, que foi incorporada à Universidade de São Paulo no começo dos anos 1930, desenvolveu-se com maturidade suficiente para preencher futuros quadros técnicos imprescindíveis ao desenvolvimento do Estado e País. Tanto é que, quando o Estado e a iniciativa privada, precisaram de inteligências para suprir suas necessidades organizacionais ou diretivas, era ali que encontravam a capacitação exigida. Haja vista, a presença de Lucas Nogueira Garcez à frente do governo paulista e, depois, na Cesp.

As diversas mudanças econômicas no País, depois dos anos 1970, alteraram, aos poucos, o perfil de quem procurava ser ou era engenheiro. Naquele período, esse profissional virou "suco", dono de lanchonete, síndico de prédio, técnico em conserto de brinquedo em parque de diversões, derivando também para a agricultura e outras atividades.

Quando a economia novamente saiu da UTI, acaso ele voltou a apostar essencialmente na carreira da engenharia? O engenheiro queria continuar engenheiro? Muitos continuaram. Outros pararam no meio do caminho para refletir. E, aqueles que não foram convocados pelo mercado ou pela burocracia estatal, decidiram utilizar a riqueza dos estudos da engenharia como trampolim. Para muitos, trabalhar em canteiros de obras em regiões remotas, tomando conta de contingentes de peões, nunca mais. E, entre fiscalizar obras para o DNIT ou fiscalizar obras integrando os quadros do TCU, não havia dúvida quanto a esta última opção.

Um desses dias, conversando com o engenheiro José Ayres de Campos, presidente da CNEC WorleyParsons, ele disse que a Escola Politécnica continua a mesma: uma escola de cérebros da engenharia. Contudo, muitos dos que se formam ali, migram para carreiras financeiramente mais promissoras no seu início. Se possível, para ocupar cargos no competitivo mundo das finanças, onde fazem uma carreira relâmpago, mas lucrativa. E ponderou:

– Os que prosperam na engenharia, não encerram a carreira tão cedo. Hoje, temos ainda, aqui na empresa – e esse exemplo se espalha por outras empresas – profissionais de até mais de 70 anos, que continuam dedicados, desenvolvendo projetos, encontrando soluções criativas na engenharia. Uma carreira, no entanto, que não oferece os atrativos ou as condições de ascensão imediata e resultados econômicos mais rápidos, conquanto fugazes.

O cenário brasileiro hoje, no domínio das pequenas, médias, grandes e megasconstruções, desde as estradas vicinais à malha rodoviária federal ampla, que necessita de recuperação ou de atender às regiões longínquas no Norte e Nordeste; as ferrovias; as hidrelétricas no rio Madeira, Belo Monte e aquelas que estão previstas no Complexo Tapajós; os empreendimentos energéticos no Sul e Sudeste; as obras de saneamento; as barragens de abastecimento de água; a montagem de linhas de transmissão na selva ou no cerrado ou nas proximidades de áreas urbanas, mostra que a presença do profissional de engenharia é imprescindível, no escritório ou no campo. Mas, não é um trabalho fácil. Exige experiência e maturidade para sua plenitude, embora ofereça sempre realização pessoal pelo senso de construir provendo bem-estar para a sociedade.

Em muitos casos, não é uma profissão de paletó e gravata. Chega até a ser uma atividade de risco. É, contudo, um legado universal. Além de ser o sonho de Antônio Francisco de Paula Souza e de outros pioneiros que lutaram em favor da construção de um País do futuro, onde ser engenheiro significasse a vontade permanente de continuar na engenharia.

A seguir, o cenário brasileiro, registrado mês a mês, compondo um ano dos acontecimentos cotidianos que ajudaram a montar a imagem do País, no período.

Fonte: Estadão

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