Tragédia anunciada ainda não tem solução

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Plano de prevenção às enchentes não sai do papel e região fica embaixo d´água novamente

Juliana Wilke – Blumenau (SC)

Uma nova enchente que assolou o Vale do Itajaí, em Santa Catarina, na primeira semana de setembro trouxe à tona uma triste constatação: quase três anos após as últimas cheias, pouco se viu em termos de investimentos públicos na contenção das encostas, na recuperação de áreas de risco e na remoção de famílias instaladas em locais perigosos.

Logo após a enxurrada de 2008, o governo catarinense acertou com a Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica), que desenvolve e financia projetos relacionados a mudanças climáticas, a elaboração de um plano diretor para a bacia do rio Itajaí, com medidas para prevenção e mitigação de desastres causados por enchentes e sedimentos.

O projeto desenvolvido pela Jica propõe ações para reduzir os impactos de enchentes, deslizamentos e até de estiagens no Vale. São centenas de páginas com propostas novas, como a instalação de um circuito de câmeras para monitorar os níveis do rio Itajaí-Açu, a construção de duas comportas no rio Itajaí-Mirim para represar a água e a utilização das plantações de arroz que somam 2.200 ha no Vale do Itajaí para acumular a água das chuvas. E outras antigas, como a retirada das moradias de áreas inundáveis e a construção de mais barragens no Alto Vale para evitar cheias e armazenar água em períodos de seca. Mas por motivos financeiros, até agora nenhuma ação foi implementada.

Somente depois das inundações de setembro é que o projeto da Jica foi apresentado ao governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo, para depois ser submetido aos órgãos técnicos estaduais, às secretarias regionais e às prefeituras. Não há previsão de quando terão início as ações da primeira fase, que levará quatro anos e exigirá R$ 185 milhões. “Vamos ao Japão na segunda quinzena de outubro negociar o financiamento com a Jica”, disse Colombo na ocasião.

Enquanto isso, Santa Catarina continua sem um sistema seguro de proteção contra as enchentes. O último plano de contenção foi elaborado há 40 anos e previa seis barragens. A muito custo, depois de 20 anos, o governo Federal construiu três (Ituporanga, José Boiteaux e Taió). O plano era baseado numa população que equivalia a menos da metade da atual. Milhares de moradias e construções surgiram neste período. O solo ficou mais impermeabilizado, o mato desapareceu em longas faixas e chove demais em toda a região.

O chefe da equipe japonesa da Jica em Santa Catarina, Minoru Ouchi, afirma que as obras de engenharia necessárias para prevenir e mitigar os efeitos dos desastres naturais na região vão custar cerca de R$ 2 bilhões em investimentos. Durante todo o ano passado, os japoneses fizeram uma série de visitas aos municípios da região e às defesas civis municipais, promoveram mais de 130 reuniões, mediram a capacidade de escoamento dos rios, estudaram os solos das 67 áreas de deslizamento, discutiram e conheceram os processos de monitoramentos existentes.

Segundo Ouchi, a Jica apontou o que é preciso ser feito para que as cidades fiquem protegidas em cada um destes tempos.

 

Amadorismo

Durante esta última cheia, a improvisação e a quase inexistência da previsão meteorológica foi observada em vários momentos. Em Blumenau, a medição do Rio Itajai-Açu, realizada em 16 pontos e repassada via celular, foi feita com régua de madeira porque o sistema de telemetria falhou. Só agora o Centro de Operação do Sistema de Alerta (Geops), da Universidade Regional de Blumenau (Furb) trabalha para incluir o sistema de monitoramento por satélite. O que ajudou mesmo foram as redes sociais. Tanto os órgãos de monitoramento quanto os usuários disseminaram informações e alertas e muitas pessoas saíram rapidamente das áreas de risco, evitando possíveis mortes. Na enchente de 2008 foram 135 óbitos, nesta última somente três.

O amadorismo começa pela localização dos órgãos públicos. Em Blumenau, as unidades do Corpo de Bombeiros e do Batalhão da Polícia Militar têm sede em zona de alto risco. Com as chuvas, são os primeiros a inundar. A Estação de Tratamento de Água tem problema idêntico. É uma das primeiras a serem alagadas, deixando 60% da cidade sem água. E o governo está construindo a nova Delegacia Regional de Policia de Blumenau em área alagável.

Em Rio do Sul, município do Alto Vale do Itajaí mais atingido pela enchente de setembro, os moradores acusam o poder público de ter negligenciado as informações sobre o nível do rio que corta a cidade. Eles alegam que se tivessem sido orientados corretamente suas perdas seriam menores. Em Brusque, o diretor da Defesa Civil foi demitido porque disse à população que não havia risco de enchente. O equívoco fez com que os moradores das áreas de risco não tivessem tempo suficiente para deixar suas casas de forma preventiva.

Se o governo demora para agir de forma preventiva, com a população não é diferente. Após o desastre de 2008, as áreas de risco foram mapeadas pelo Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres (Ceped) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) junto com a Defesa Civil estadual. O estudo apontou os locais de risco eminentes e até determinou interdições definitivas. Mas muitos moradores retornaram a viver nos antigos locais, onde perderam suas casas e parentes. Isso ocorreu porque as moradias que o governo ofereceu são menores e em pontos mais afastados.

O chefe da equipe japonesa, Minoru Ouchi, diz que a eficácia do plano da Jica dependerá da abrangência de sua aplicação. Para solucionar as inundações em Itajaí, por exemplo, não basta a atuação das barragens. Seria necessário também um canal para extravasar a água do rio na altura do município de Navegantes. Além disso, deve haver investimento maciço, de cerca de R$ 1 bilhão na desapropriação de moradias nas margens dos rios.

O Estado admite que a solução para o Vale do Itajaí seria construir novas barragens e aumentar a capacidade das já existentes – a de Taió foi inaugurada em 1973, a de Ituporanga, em 1976, e a de José Boiteux, em 1992 (as grandes enchentes em Blumenau foram em 1983 e 1984). O presidente do Departamento Estadual de Infraestrutura (Deinfra), Paulo Meller disse que é necessário aumentar as cotas dos reservatórios nas barragens de Ituporanga (4 m) e Taió (2 m). “A barragem de José Boiteux, a mais nova das três, precisa de ajustes técnicos e não necessariamente da elevação da capacidade de reserva de água”, argumenta.

O estudo feito pelos especialistas japoneses propõe a construção de outras cinco barragens: duas em Trombudo Central e outras três em Benedito Novo, Apiúna e Botuverá. Paulo Meller considera que as execuções dependem de financiamento e de verbas federais. Segundo ele, de 2008 para cá, houve investimentos estruturais. Cita a automatização das três barragens cujo sistema antes era manual. Para ele, com isso as barragens funcionaram bem e possibilitaram que as cheias no Vale fossem de forma “lenta”.

Durante as inundações, no entanto, não constava na página do Deifnra imagens à noite das barragens por falta de visibilidade. Segundo o Deifra, em breve serão instalados seis holofotes em cada uma delas e a falta de dados atinge apenas as fotos geradas para o site, pois o departamento tem acompanhamento noturno das condições dos reservatórios.

Desta vez, as chuvas atingiram um milhão de moradores. Em 2008 afetou 1,5 milhão de pessoas. O nível do rio Itajaí-Açu atingiu 12,96 m (registrados no município de Rio do Sul, no Alto Vale), mais do que em 2008 quando chegou a 11,52. Enquanto em 2008 o maior problema foi os deslizamentos, neste ano, a cheia dos rios é que causou os estragos e deixou 11 municípios em situação de calamidade e 59 em estado de emergência.

Fonte: Estadão


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