Os recentes atos de protesto contra o aumento das tarifas do transporte público, que derivou para vandalismo, sempre condenável, com o caos evidenciando o nível de destruição de bens e do espaço construído, leva a um raciocínio elementar sobre a origem dessa revolta em São Paulo e em outras cidades do País: durante décadas, senão durante todo o tempo, as várias administrações públicas não trataram o assunto com a prioridade que ele merece. O resultado é essa bomba de efeito retardado.
Nas três décadas que vão se completar com o advento do Real e com a obtenção de uma economia até há pouco estável, a maior cidade brasileira poderia ter modernizado seu sistema de transporte reunindo os modais ônibus-metrô-trens metropolitanos. Mesmo que não contasse, por causa de questões político-partidárias que fogem ao bom senso, com o respaldo do governo federal, o estado até aqui mais rico do País poderia ter duplicado – ou triplicado – sua rede de transporte de massa, com a provável participação da iniciativa privada e financiamento internacional.
Ao longo de décadas deixou-se de investir em planejamento, dentro de uma estratégia geral de ordenamento do espaço urbano, não se considerando também a explosão demográfica da metrópole e de sua região metropolitana. As novas estações de metrô e os corredores de ônibus surgiram com anos de atraso, exemplificando a negligência do poder público com a população.
Os autores dos protestos acabam, por caminhos que podem colocar em risco a normalidade da cidade e a própria cidadania, refletindo o sentimento geral de uma parte imensa da população que tem, no transporte público, o terceiro maior gasto do orçamento familiar. Como o centro econômico do Brasil pode continuar assistindo a esse descalabro de braços cruzados?
O público usuário vê a inauguração de uma estação do metrô no Largo da Batata – uma região de imenso fluxo de pessoas – sem que tenham sido projetados estacionamentos de veículos para o transbordo tranquilo de passageiros. A CPTM anunciou recentemente o atraso na entrega de diversas obras, inclusive estações. Foi mais um ato que provocou frustração geral diante da enorme demanda reprimida.
Os paulistanos não suportam mais os problemas crônicos da metrópole e sabem que são poucas as possibilidades para que os modais funcionem satisfatoriamente. O conjunto dos problemas no transporte soma-se a outros, também estruturais: enchentes, cortes de energia, semáforos apagados e a insegurança generalizada, que alcança níveis de barbárie.
Entendemos que à margem das entidades que protestam ou dos usuários que protestam isoladamente, há instituições no campo do planejamento e da engenharia que poderiam – e devem – canalizar experiências para fazer chegar à administração pública a constatação de que não dá mais: o transporte público é importante demais para continuar a ser tratado sem a prioridade expressa naquela antiga máxima: “Transporte público – um direito do cidadão e um dever do Estado”.
Estação do metrô de São Paulo, na hora do rush,expõe os sacrifícios infligidos à população por décadas de investimentos insatisfatórios nesse e nos demais modais de transporte. A imagem explica a concentração das reivindicações na redução de tarifas e na exigência de obras contra o caos
Fonte: Revista O Empreiteiro