Maria Renata dos Anjos*
Amudança global do clima é tema que ganha a cada dia maior relevância na agenda de governos, empresas e sociedade como um todo. Embora ainda seja marcado por muita polêmica, o aquecimento do planeta fruto da atividade humana é, hoje, reconhecido pela comunidade científica internacional e demanda grande disposição política para sua mitigação.
Um marco importante a respeito do assunto foi a apresentação do Segundo Relatório de Avaliação do IPCC (IPCC, 1996), reportando evidências científicas de que as atividades humanas já influenciaram o clima. As pesquisas científicas estão avançando pouco a pouco no entendimento do complexo sistema que determina o clima na Terra e os processos que levam à mudança climática.
Nesse sentido, Ribeiro (2003) salienta que são consideradas como mudança climática as significativas variações estatísticas do estado regular do clima, persistentes por décadas ou mais. Do mesmo modo, Ceccarelli (2009) define que o termo mudanças/variações climáticas diz respeito à variação do clima global ou dos climas regionais ao longo do tempo, como as alterações de temperatura, precipitação, nebulosidade, ventos e outros fenômenos em relação às médias históricas. E, de acordo com a Convenção Quadro de Mudança do Clima (CQNUMC, 1992), em seu Artigo I, define mudança do clima como: "Uma mudança do clima que é direta ou indiretamente atribuída à atividade humana, que altere a composição da atmosfera global e que seja adicional à variabilidade climática natural observada em períodos comparáveis de tempo". Assim, a Convenção (UNFCCC, 2003) estabelece uma distinção entre "mudança climática (climate change)" atribuída às atividades antropogênicas que alteram a composição atmosférica e "variabilidade climática (climate variability)" atribuída a causas naturais.
Ainda segundo Ribeiro (2003), e pelo já citado IPCC (1996), a mudança climática pode ocorrer devido tanto a processos naturais quanto por mudanças antropogênicas persistentes na composição da atmosfera e por mudança no uso da terra. Neste contexto, entende-se que a mudança do clima é o resultado de um processo de acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera, que está em curso desde a Revolução Industrial e que influenciam substancialmente nas variações climáticas. Destacam-se o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4), o óxido nitroso (N2O), halocarbonos e outros compostos halogenados.
No entanto, cabe salientar que concentrações dos gases de efeito estufa ocorrem naturalmente na atmosfera e vem atuando há bilhões de anos na Terra redistribuindo a energia dentro da atmosfera e entre a atmosfera, a Terra e os oceanos. Atualmente, o problema reside no fato do aumento destas concentrações, pois esta elevação pode reduzir a eficiência natural de resfriamento da Terra. O aquecimento depende, portanto, da magnitude do aumento da concentração de cada gás de efeito estufa, das propriedades radiativas dos gases envolvidos e das concentrações de outros gases de efeito estufa já presentes na atmosfera.
Testemunhos de gelo da Antártica e da Groelândia, complementadas por amostras diretas da atmosfera referentes às últimas décadas, possibilitaram o levantamento do comportamento da concentração dos gases de efeito estufa para os últimos mil anos e o seu respectivo forçamento radiativo. As amostras evidenciaram elevações da concentração após a Revolução Industrial.
O forçamento radiativo refere-se a um índice usado pelo IPCC para quantificar o Potencial de Aquecimento Global (GWP). O aquecimento global futuro provocado por um gás de efeito estufa em um determinado horizonte de tempo pode ser estimado multiplicando-se o GWP adequado pela quantidade de gás emitida (IPCC, 1996).
O aquecimento verificado pelos estudiosos do tema indica que este contribuiu significativamente para o aumento do nível dos mares entre 0,1 e 0,2 metros durante o século XX, causado pela expansão térmica dos oceanos e o derretimento das calotas polares. A espessura da camada de gelo do Ártico no verão e no outono se reduziu em 40% no século XX. Fenômenos climáticos como o El Niño, que exercem influência na precipitação e na temperatura regionais, têm sido mais freqüentes, persistentes e intensos desde a década de 1970, comparado com os últimos 100 anos.
É nesse contexto que o aquecimento global e a conseqüente elevação do nível médio do mar, bem como a freqüência persistente dos fenômenos climáticos, constituem-se num desafio para os projetos, obras e manutenção de estruturas de engenharia. Os empreendimentos de engenharia, em função de suas especificidades apresentam diferentes relações com as condições regionais e locais geológicas, geomorfológicas, pedológicas, hidrológicas e climáticas.
Fenômenos climáticos como os supracitados podem interagir com as obras de engenharia, principalmente nas suas fases de instalação e operação, pois, parâmetros climáticos como pluviosidade intensa em períodos chuvosos e ventos, interferem na execução dos serviços e atividades, podendo desenvolver ou agravar impactos ambientais adversos às obras como, por exemplo: processos erosivos, assoreamento, etc e, consequentemente, influenciar no prazo e custos de execução das mesmas.
Os fenômenos climáticos regionais e locais, naturais ou antropogênicos, podem alterar o cronograma de execução das obras de engenharia, assim, suas peculiaridades e interações com parâmetros climáticos e outros fatores devem ser sempre observadas e previamente consideradas no planejamento das mesmas.
A duração de uma atividade está relacionada diretamente com as particularidades proporcionadas para a sua execução. Fazendo referência ao clima, há locais onde as chuvas são concentradas em determinados períodos anuais impossibilitando a realização de qualquer trabalho por 1, 2 ou até 3 meses. Outros locais apresentam temperaturas elevadas que obras de concreto, por exemplo, merecem estudos especiais para adição ou não produtos químicos.
Por outro lado as obras de engenharia são dimensionadas e projetadas considerando, entre outros, a influência do clima. Reações químicas, volumes de chuvas, variações de temperatura interferem diretamente no resultado final de um projeto.
Considerando que a caracterização do local de estudo é realizada com base em dados históricos e análise estatística, consegue-se definir as interferências climáticas a serem consideradas no planejamento de execução e as condições
de contorno para o dimensionamento de um projeto. Com a modificação constante do clima, onde os dados obtidos não representam uma sequência lógica, ou confiável, dos resultados históricos, fica cada vez mais difícil garantir a eficiência de um projeto com a otimização dos custos.
Assim sendo, o desafio para ser superado em tempos de mudanças climáticas é inserir, de forma coerente, as inúmeras variáveis ambientais no planejamento de um projeto, realizando, assim, o desenvolvimento sustentável.
Referências Bibliográficas
CECCARELLI, TALITA SAMPAIO. Paradigmas para os projetos de obras maritimas no contexto das mudanças climáticas. 2009. 125 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Engenharia, Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
CONVENÇÃO QUADRO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MUDANÇA DO CLIMA. CQNUMC, 1992. Secretariado da Convenção sobre Mudança do Clima, 1ª Edição em português, Brasília, PNUMA, 1999.
Convention on Climate Change. Disponível em: http://www.unfccc.de/resource/iuckit/index.htm.
MIDAGLIA, C. L. V. . Políticas públicas para a água na Holanda em tempos de mudanças climáticas. Revista Climatologia e Estudos da Paisagem Rio Claro – Vol.2 – n.1 – janeiro/junho/2007, p. 31.
PAINEL INTERGOVERNAMENTAL SOBRE MUDANÇA DO CLIMA. IPCC, 1996, Mudança do Clima 1995, Sumário para formuladores de Políticas, contribuição do Grupo de Trabalho I ao Segundo Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, 1ª Edição, Brasília, 2000.
RIBEIRO, LEONARDO da SILVA. O Impacto do Gás Natural nas Emissões de Gases de Efeito Estufa: O Caso do Município do Rio de Janeiro. 2003. 261 f. Tese de Mestrado (Mestrado) – Curso de Ciências em Planejamento Estratégico, Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia – COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003.
UNFCCC. 2003. Climate change information Kit. United Nations Framework.
*Maria Renata dos Anjos é geográfica e gerente de Meio Ambiente da Magna Engenharia
Fonte: Estadão