*Antonio Carlos Zuffo
A construção dos reservatórios de Jaguari-Jacareí, que correspondia à segunda fase do projeto, foi iniciada em 1977 e concluída em 1982. A partir de 1983 o sistema Cantareira passou a operar em sua totalidade, com 33 m3/s sendo transpostos para a bacia do Alto Tietê. Colocadas rapidamente essas questões, vamos, agora, à resposta à primeira pergunta da revista.
Durante os últimos dez anos, de 2004 a 2012, as precipitações observadas sobre o sistema Cantareira variaram pouco considerando a precipitação média, exigindo pouco dos reservatórios. Este fato fez com que fosse possível, durante aquele período, a produção de água do sistema, segundo a vazão regularizada de 39 m3/s, 40 m3/s, o que criou a falsa impressão de que ela se perpetuaria, nesse patamar, no futuro.
Contudo, quando as chuvas começaram a diminuir, a partir de 2013, após dois anos seguidos de enchentes, o volume dos reservatórios foi consumido em dois anos. Este não é um problema simplesmente de clima, pois o sistema foi planejado na baixa e operado na alta hidrológica de longo período. Quando a baixa hidrológica volta, a superexploração do sistema o exaure em apenas dois anos, quando deveria fazê-lo em pelo menos oito anos.
Sobre a questão do monitoramento prévio do regime dos rios e as análises meteorológicas e se isso permitiria à Sabesp se antecipar ao problema que a região metropolitana de SP está vivendo, gostaria de enfatizar que os relatórios produzidos pelo IPCC (2012a e 2012b) registraram uma tendência de aumento da frequência das precipitações mais intensas durante o século XXI em diversas partes do globo. Isso aconteceu principalmente nas regiões de altas latitudes e nas regiões tropicais.
Eu acredito mais na variação climática cíclica de longo período, pois o que observamos em séries hidrológicas longas são períodos de altas sucedidos por longos períodos de baixas. A própria série pluviométrica do Cantareira mostra isso.
As precipitações a partir do ano de 2012-2014 foram inferiores aos dos anos anteriores, quando houve uma diminuição da produção de água do sistema Cantareira. E a redução foi ainda maior durante o ano de 2014, cujo nível do sistema equivalente chegou a apenas 27,2% em 1º de janeiro deste ano.
Na renovação da outorga de 2004 foi prevista uma metodologia que teria a finalidade de evitar o esvaziamento completo dos reservatórios do sistema. Esta metodologia, chamada de Curvas de Aversão ao Risco (CAR), previa uma redução das retiradas do sistema baseado em um acompanhamento mensal dos níveis dos reservatórios. A vazão total de retirada seria determinada em função do “Estado do Sistema Equivalente” (do porcentual do volume atual em relação ao volume útil operacional). Estas curvas foram simplesmente desconsideradas em 2014 e as retiradas continuaram superiores àquelas previstas pela CAR para os níveis em que estavam os volumes dos reservatórios. Este fato agravou a situação do abastecimento urbano. Esperou-se pelas chuvas abundantes que não ocorreram. Alegava-se a utilização do volume acumulado pelo “Banco de Águas”, para a retirada de uma vazão superior a que determinava a CAR. Porém, como explicado anteriormente, o volume operacional dos reservatórios não foi dimensionado para um período longo de alta, mas sim de baixa.
Sobre a situação atual, saliento primeiramente que órgãos gestores deveriam estar alertando a população da gravidade da situação. Negá-la só vai agravá-la ainda mais. Assumindo-se a existência da crise, pode-se conscientizar a população da necessidade de um contínuo esforço para economizar água. O uso de água outdoors (da porta para fora) deveria ser suspenso. Uma solução de engenharia leva de cinco a dez anos para ser realizada. Por isso, na crise atual a engenharia não tem muitas opções a oferecer. O que se pode fazer, nessa emergência, é a redução do consumo, simultaneamente a um esforço muito grande na substituição das redes de distribuição antigas, que são as mais propensas aos vazamentos.
*Antonio Carlos Zuffo é professor de Recursos Hídricos da Unicamp
Fonte: Revista O Empreiteiro