Gasene faz a integração nordeste-sudeste

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Gasoduto atravessou 1.425 km, diversos rios e, só no Espírito Santo, 20 km de serra acidentada

Depois que o presidente Lula e o governador da Bahia, Jaques Wagner, inauguraram, em março, em Itabuna, o trecho final do Gasoduto de Interligação Sudeste-Nordeste (Gasene), começou a funcionar a primeira central de distribuição, implantada pela Bahiagás, para comercialização do gás natural na região. Com 995 km de extensão, esse trecho final do gasoduto interliga a estação de compressão de Cacimbas, em Linhares, no Espírito Santos, à estação de Pojuca, em Catu (próximo a Salvador), na Bahia. A obra desse trecho, que passou por 51 municípios do Espírito Santo e da Bahia, representa um passo gigantesco no caminho para otimizar a diversificação da matriz energética brasileira e agrega ao País 20 milhões de m3 de gás natural por dia produzidos nas bacias oceânicas.

A central de distribuição de Itabuna vai se somar a outras tantas espalhadas pelo litoral brasileiro, ávido para transformar gás em energia para movimentar carros, alimentar fogões e movimentar fábricas. Sinal dos laços estreitos entre os dois grandes países emergentes, a escolha da Sinopec para realizar a obra, traz para o Brasil uma das maiores empresas de energia e a maior fornecedora de produtos químicos e derivados do petróleo da China, com experiência em exploração onshore e offshore de óleo cru e gás natural, processamento, refino, distribuição, transporte e comercialização. O grupo Sinopec, a “Petrobras da China”, já executou serviços em 560 blocos de petróleo na China e em outros 46 países. No momento, ela está concluindo a recomposição de faixa e a documentação técnica do último trecho do Gasene, Cacimbas-Catu, conhecido pela sigla Gascac.

No Brasil, desde 2005, a Sinopec tocou essa obra em contrato na modalidade EPC (sigla em inglês para engineering, procurement and construction) com a transportadora Gasene, uma sociedade de propósito específico da Petrobras. O primeiro trecho construído pela Sinopec e as empreiteiras subcontratadas foi o gasoduto Cabiúnas-Vitória, o Gascav, com 303 km de extensão. O projeto atravessou 14 municípios em dois estados brasileiros: de Macaé, no Rio de Janeiro, até o Espírito Santo, e entrou em operação em fevereiro de 2008. O segundo trecho entre Vitória e Cacimbas (Linhares, no Espírito Santo), com 127 km, começou a operar antes, em novembro de 2007.

A Petrobras calcula que, durante a construção dos três gasodutos com 1.425 km de extensão total foram gerados cerca de 12 mil empregos diretos e 36 mil indiretos, para um investimento total estimado em R$ 4,51 bilhões.

Esse investimento reforça a estratégia do Gasene, que prevê interligar a rede de gasodutos do Nordeste com a do Sudeste, considerada fundamental para garantir o suprimento de gás natural para toda a malha de gasodutos. Todo esse volume de gás será adicionado ao GNL (gás natural liquefeito) recebido no terminal de regaseificação de Pecém, no Ceará. Com capacidade de até 7 milhões m³/dia, o o gás de Pecém agrega uma geração de 1.597 MW de energia ao Nordeste.

Para viabilizar o financiamento, foram assinados contratos com o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com uma parte desses recursos, no valor de US$ 750 milhões, proveniente do repasse de um financiamento obtido do China Development Bank (CDB), instituição financeira chinesa.

O segundo trecho: Cabiúnas-Vitória

Quando entrou em operação no dia 1º de fevereiro de 2008, 15 dias antes do previsto, o trecho entre Cabiúnas, em Macaé, no Rio de Janeiro, e Vitória, no Espírito Santo, gerou o equivalente a 600 MW de energia. Um mês depois, esse número passaria para 1.000 MW. No final de 2008, a produção de gás natural da bacia do Espírito Santo atingia 7,5 milhões de m3/dia. O gás boliviano que abastece o mercado nacional, a título de comparação, chega a 30 milhões de m3/dia.

O trecho Cabiúnas-Vitória ampliou a oferta de gás natural para atendimento ao mercado de indústrias, automóveis e residências do Espírito Santo. Assim como aconteceu em Itabuna – onde o governador baiano Jacques Wagner anunciou um programa de incentivo ao uso do gás natural veicular pelos taxistas locais, com linhas de crédito para que os profissionais possam custear a implantação do kit gás nos veículos – no Espírito Santo, vários novos pontos de entrega de gás entraram em funcionamento: em Cachoeiro do Itapemirim, Viana e Anchieta. No Rio de Janeiro, o primeiro ponto de de distribuição foi aberto em Campos de Goitacazes.

A linha tronco do Cabiúnas-Vitória possui dutos de aço carbono de 28 polegadas de diâmetro nominal, com ramais interligando a linha tronco com a cidade de Anchieta, no litoral capixaba. Isso permitiu o envio do gás natural produzido na bacia do Espírito Santo para a região Sudeste. O gás atende as usinas térmicas Mário Lago e Governador Leonel Brizola, em Duque de Caxias, e Barbosa Lima Sobrinho, em Seropédica, todas no Estado do Rio de Janeiro.

O Cabiúnas-Vitória foi o segundo trecho do Gasene a ser concluído. O primeiro, Cacimbas-Vitória, de 127 km de extensão, entrou em operação em novembro de 2007 e foi construído em 18 meses. O trecho do gasoduto Cabiúnas-Vitória partiu de Macaé e percorreu os municípios fluminenses de Carapebus, Quissamã, Campos dos Goitacazes, São Francisco do Itabapoana e os municípios capixabas de Presidente Kennedy, Itapemirim, Piúma, Anchieta, Guarapari, Vila Velha, Viana, Cariacica e Serra.

Pedras no caminho

Até chegar na etapa de abertura de vala – depois do carregamento de tubos, demarcação de faixa de domínio e abertura da pista – de todos os obstáculos enfrentados durante a obra do trecho Cabiúnas-Vitória, o gerente de Implementação de Empreendimentos para Dutos Terrestres da Petrobras, Celso Araripe d’Oliveira, afirma que as maiores dificuldades foram atravessar os trechos com rios e vencer o relevo montanhoso. Ao todo, foram quatro travessias de rios e 20 km de serra entre Guarapari e Cariacica, com 563 desmontes de rocha, com explosivos, além de muitas negociações com proprietários de terra e travessias de estradas.

Onde a travessia dos dutos foi feita sob
leitos de rios como o Paraíba do Sul e Itapemirim, Itabapoana e Ururaí, o trabalho levou de três a quatro meses para ser concluído. “O processo todo incluía a preparação do terreno, montagem da máquina de furo direcional, soldagem dos tubos, inspeção radiográfica, teste hidrostático, perfurações debaixo do leito do rio (de 42 polegadas) e passagem do tubo de margem a margem”, conta Araripe.

As perfuratrizes, importadas pela Sinopec, podem pesar até cerca de 80 t e chegavam aos locais de trabalho desmontadas, transportadas por vários caminhões. Na região de serra, segundo Araripe, os maiores obstáculos eram as subidas íngremes e a quantidade de rochas no meio do caminho. “Foi uma região muito complicada para se trabalhar.” A partir de 15 graus de inclinação do terreno, era preciso posicionar um guincho no alto do morro para puxar e dar estabilidade à tubulação e aos equipamentos. E quando encontravam rocha, era preciso detonar: foram 16.820 m3 de pedras retiradas com explosivos das valas.

Em algumas áreas, como brejos, a densidade do terreno obrigou os técnicos a fazer a preparação dos tubos para proceder ao abaixamento. Nesses casos, foram feitas coberturas de concreto em volta dos tubos. “A espessura do concreto variou de acordo com a densidade do terreno, com o diâmetro do tubo”, explica Araripe. Apenas as pontas dos tubos não receberam a capa de concreto para permitir a soldagem de um tubo ao outro. Num terreno plano, uma coluna de tubos soldados pode chegar a 1.500 m de comprimento, enquanto num relevo montanhoso não se montam colunas com mais mil metros, para não dificultar o trabalho de abaixamento nas valas, que possuem entre 1 e 1,5 m de profundidade. Para acompanhar o traçado, foram feitos curvamentos a frio. Uma vez posicionados, as colunas de tubos receberam revestimento nas partes que foram soldadas.

Concluído o abaixamento, começa a cobertura de vala, a recomposição de faixa e a drenagem. Os tubos, com 12 m de comprimento, foram produzidos pela Confab. A Transportadora Gasene, responsável pelo gerenciamento do projeto, respondeu pela aquisição de cerca de 25 mil tubos API 5L X70 (PSI), revestidos de polietileno extrudado e tripla camada de proteção contra corrosão e umidade. Segundo Araripe, a vida útil deste tipo de equipamento é de 25 anos. “Mas isso depende muito do tipo de produto que é transportado ali. Como, nesse caso, lidamos com gás seco, é provável que essa vida útil seja até o dobro.”

Logística quase militar

Celso Araripe d’Oliveira explica que outro ponto importante da implementação do Gasene foi a logística. As obras do gasoduto Cabiúnas-Vitória, por exemplo, foram divididas em três frentes de trabalho:

Cabiúnas-Campos (trecho A, com 78 km de extensão), Campos-Piúma (trecho B, com 126 km) e Piúma-Serra (trecho C, com 99 km). Para Araripe, o trunfo maior foi determinar quais eram os trechos mais complicados e colocar, desde o início, mais equipes para trabalhar naqueles locais. O acompanhamento diário pela Petrobras do desenvolvimento dos trabalhos, a partir de relatórios e da análise dos projetos, foram fundamentais para que os prazos fossem cumpridos.

“Nós não esperávamos concluir o trecho A para começar o B. Colocávamos todos os trechos em construção simultânea. Se verificássemos que alguma empresa estava com os trabalhos atrasados, íamos logo lá para saber os motivos. Previmos, inclusive, que, se alguma empresa contratada terminasse antes do prazo, assumiria outro trecho que estivesse mais atrasado. E começamos a negociar as desapropriações de terras um ano e meio antes das demarcações de faixas de domínio”, explica Araripe. Ele lembrou que a armazenagem dos tubos também foi estratégica. A empresa Technion foi contratada para gerenciar o processo e alugou terrenos em Guarapari e Campos para receber o material.

Último trecho

O terceiro, último e maior trecho do Gasoduto de Interligação Sudeste-Nordeste, o Cacimbas-Catu, com 995 quilômetros, teve o contrato de engenharia, suprimento, construção e montagem assinado em dezembro de 2007, também com a estatal chinesa Sinopec. Com a licença de instalação, concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a autorização de construção, emitida pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) nas mãos, a Sinopec subcontratou as seguintes empresas: a Galvão, responsável pelo trecho 1A, de 103 km; a Companhia Nacional de Dutos (Conduto), para o trecho 2A, de 157 km; a Bueno, para o trecho 2B, de 172 km; o consórcio Mendes Júnior/Azevedo & Travassos, para o trecho 3A, de 178 km; a Conduto, para o trecho 3B, de 177 km e a Megadrill, para execução de furos direcionais nos rios São Mateus, Mucuri, Jucuruçu Norte e Jucuruçu Sul, Cachoeira e Paraguaçu, com tecnologia HDD (horizontal directional drilling).

A própria Sinopec executou os furos direcionais nos rios Itaúnas e Alcobaça e no trecho 1B, de 163 km. Com mais de dez anos de experiência em HDD, a Jocec, subsidiária da Sinopec, possui três equipamentos de perfuração de horizontal que podem operar em oleodutos, gasodutos e aquedutos de até 1,200 mm de diâmetro e em obras de cabos elétricos e fibra ótica. A Jocec já atuou em 16 províncias e regiões autônomas da China e em países como Sudão.

O trecho Cacimbas-Catu foi dividido em seis trechos. A Sinopec ficou como responsável direta pela construção do trecho entre São Mateus (no Espírito Santos) e Prado (na Bahia). Os outros trechos foram: Linhares-São Mateus, sob responsabilidade da Galvão; Prado-Itapebi, pela Conduto; Itapebi-Itajuípe, pela Bueno; Itajuípe-Valença, sob os cuidados do consórcio formado pela Mendes Júnior e Azevedo & Travassos; e Valença-Catu, também sob a responsabilidade da Conduto.

As obras desse trecho, segundo Araripe, geraram cerca de duas mil fichas de desapropriação e avisos de interferências (pontos onde os dutos cortam rodovias e estradas de ferro). Os tubos usados nesse trecho, também comprados da Confab, foram armazenados pela empresa EIT – responsável ainda pela preparação dos terrenos dos pátios de armazenagem em São Mateus, Eunápolis, Teixeira de Freitas, Camacan, Laje e Barra do Rocha.

O trecho mais difícil, entre Itajuípe e Valença, nos 60 km de serra, a frente de trabalho encontrou a faix
a de domínio, do oleoduto Recôncavo Sul da Bahia. “Foi preciso ter muita atenção nessa parte para não interferir na operação do oleoduto”, diz Araripe.

Ele contou que a travessia de oito rios, onde foi necessário o uso da perfuratriz direcional, foi dividida em dois pacotes: o primeiro, com dois furos, nos rios Itaúnas e Alcobaça, e o segundo, com seis furos, a cargo da empresa subcontratada Megadrill, nos rios Mucuri, Jucuruçu do Norte e do Sul, Paraguaçu, São Mateus e Cachoeira. “Este último, passava por cima de rocha pura e levou cinco meses para ser concluído”, afirma Celso Araripe.

Automação exige montagem precisa

Tanto as obras civis quanto aquelas relativas às montagens eletromecânicas foram trabalhos considerados complexos, exigindo calibragens precisas, caso dos empreendimentos próximos à cidade capixaba de Linhares: uma unidade de tratamento de gás (em Cacimbas), uma unidade de processamento de gás natural e a unidade que interliga as duas plantas dotada de equipamentos de transferência dos produtos como gás, condensado, GLP e gasolina.

O engenheiro José Carlos Mendes Lopes, diretor da Engevix, a empresa que respondeu pelo detalhamento técnico do projeto, acompanhamento e gerenciamento dos diversos estágios das obras, explica que uma parte da planta destinada ao recebimento do condensado (óleo associado ao gás) já vinha operando desde novembro de 2006. Depois, foi concluída a unidade de processamento de condensado de gás e a unidade de processamento de gás natural. A Engevix cuidou do fornecimento dos equipamentos mecânicos, elétricos, instrumentação, automação e controle, materiais de interligação, incluindo tubulações, válvulas, conexões e cabos elétricos. Em razão do alto grau de automação, a montadora teve de instalar no canteiro um avançado laboratório de calibração com software próprio associado a um banco de dados em Microsoft Access.

As montagens

Sob a responsabilidade da Enesa, que cuidou da montagem eletromecânica das unidades de processamento de condensado e de gás natural, o engenheiro Gabriel Esper, gerente de contrato da montadora, disse que as montagens exigiram muita agilidade logística das empresas envolvidas, uma vez que as ações foram tomadas com prazos rígidos, com revisões de projeto e atendimento das exigências de suprimento. Os trabalhos de montagem incluíram instalações de coletores, cerca de duas mil toneladas de tubulações e mais de 900 t de estruturas metálicas.

O grupo industrial alemão Siemens forneceu uma encomenda de 17 sistemas de compressores ao gasoduto da Transportadora Gasene, no valor de US$ 103 milhões. A empresa entregou para cada unidade um compressor e uma turbina de gás mecânica, para a Petrobras. A prestação de serviço incluiu ainda, a montagem e a instalação do sistema e o fornecimento de peças de reposição.

Para a diretora de Gás e Energia da Petrobras, Maria das Graças Foster, “esse projeto que faz parte do PAC é o que o Brasil estava precisando, porque propicia a integração do Sudeste ao Nordeste. É preciso democratizar a energia”, disse ela. Falta apenas esclarecer se o projeto Gasene vai garantir o suprimento de gás natural para a malha de gasodutos da região Sudeste e ainda assegurar o escoamento da produção de gás dos campos marítimos a preços mais competitivos.

Fonte: Estadão


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