Infraestrutura não sai do lugar e compromete crescimento do País

Nildo Carlos Oliveira

Por mais que sejam anunciados investimentos e se proclame o avanço deste ou daquele segmento, a infraestrutura brasileira continua onde sempre esteve: em processo de recomeço. A análise é do engenheiro Luís Fernando dos Santos Reis, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon)

Questionada, comentada, discutida. Objeto da apresentação de mil e uma soluções técnicas e econômicas nas entidades da engenharia e nas instituições de governo. Apesar de tema público e privado das mais diversas manifestações, a infraestrutura brasileira continua, com seus enormes gargalos, a comprometer o crescimento do País.

“Eu falo”, diz Luís Fernando, “com o conhecimento de Brasil. Como engenheiro e como responsável por uma entidade de engenharia que tem abrangência nacional. Nunca construí uma casa em minha vida, mas participei da construção de portos, rodovias, obras de saneamento, oleodutos, hidrelétricas. E trabalhei em praticamente todas as regiões brasileiras.” Do topo dessa experiência e desse conhecimento, obtido em uma longa trajetória profissional e numa vivência de mais de 20 anos em entidades de classe, 15 deles à frente do Sinicon, ele afirma que a infraestrutura brasileira prossegue como sempre prosseguiu: encrencada no círculo vicioso do recomeço.

Inegável que houve, nos últimos 40 ou 50 anos, impulsos a favor da infraestrutura – a mesma infraestrutura desenhada nos governos de Getúlio Vargas e que foi ampliada no governo de Juscelino Kubitschek. No período dos governos militares o impulso refletiu-se com muita nitidez nas telecomunicações e, óbvio, na logística.

Daquele tempo para cá, depois do jejum forçado pela carência de investimentos em obras públicas prioritárias, veio um segundo impulso, ocorrido durante os governos de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, que inauguraram o ciclo das privatizações. Em consequência, houve uma mudança de cenário: rodovias melhoraram, mas basicamente aquelas que foram concedidas; no segmento de energia elétrica e em outros, incluindo, aí, a malha ferroviária, houve avanços significativos. E, tudo parecia engrenado para um grande salto para o futuro. Então, chegou a vez do terceiro impulso. Ele se manifestou nos dois governos Lula da Silva, com a estruturação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a retomada de projetos que se encontravam engavetados, alguns até esquecidos.

Apesar do esforço das duas administrações Lula da Silva, o Brasil não chegou e sequer se aproximou de onde deveria ter chegado. “E por que”, pergunta Luís Fernando, “os dois últimos governos ainda não conseguiram fazer o que deveria ter feito?” – Ele deixa a resposta para depois.

A constatação é de que o Brasil continuou – como continua – refém de enormes gargalos. Um deles é o saneamento. O País precisa investir R$ 90 bilhões, a cada cinco anos, ao longo de duas décadas, em obras em todas as regiões, se quiser universalizar os serviços de esgoto sanitário e de abastecimento de água. Até hoje, no entanto, o saneamento não tem saído do lugar. O atendimento à população continua a ser feito por companhias estaduais (70%) e autarquias municipais (20%). É possível, mas não provável, que até 2017, quando o marco regulatório terá completado 10 anos de vigência (Lei 11.445/2007), a iniciativa privada venha a responder ao menos por 30% daqueles serviços.

A Lei 11.445 abriu amplas possibilidades para a concessão dos serviços. Lastimavelmente, ainda não houve uma definição quanto ao poder concedente – se ele fica com o município, ou com o Estado. Como, no âmbito legislativo, as dúvidas persistissem, o Congresso achou conveniente remeter a discussão para o Supremo Tribunal Federal. Lá o debate tende a encompridar-se sem perspectiva de conclusão.

Os outros gargalos

Luís Fernando acha que o País continua a marcar passo em todos os segmentos que compõem a logística nacional. Por isso, indaga: “Qual a grande rodovia de integração que foi executada, inaugurada e colocada em funcionamento nos últimos anos?” – ele mesmo responde: “Nenhuma”.

A BR-101-Nordeste, que seria o grande eixo da integração do País, “vem com suas obras se arrastando há muito tempo e não acabam nunca. E, assim, tem acontecido com outras rodovias”. A rigor, não têm faltado recursos. “O problema é que a execução orçamentária sempre se revela aquém das disponibilidades colocadas pelo próprio governo”. E nada se conclui.

No segmento portuário, as coisas não estão melhores. Tanto assim, que a novela das concessões não acena com capítulo final. E, quanto à navegação fluvial, não há como não se constatar que ela continua incipiente como sempre foi. As grandes hidrovias continuam uma promessa, embora algumas estejam funcionando. Concretamente, para onde quer que se vá, há o bloqueio formado pelas usinas hidrelétricas, cujas eclusas não foram concluídas ou sequer projetadas. E o Brasil, país globalizado, que integra o contexto mundial das exportações, mandando para fora matérias-primas resultante das grandes explorações de suas jazidas minerais; que exporta grãos, sobretudo do Centro-Oeste e frango e carne bovina, item, em que é considerado o maior exportador do mundo, não dispõe de portos aparelhados para acelerar essas atividades.

Além disso, não opera uma malha ferroviária condizente com a sua dimensão continental. No fundo, permanece a velha contradição: um país que tem 8 mil km de costa, não dispõe de meios para utilizar essas favoráveis condições marítimas; tem amplos rios, mas não consegue colocá-los a serviço da navegabilidade, via hidrovias; dispõe, no geral, de um território plano, sem grandes cadeias montanhosas que impeçam a construção de uma malha ferroviária compatível, mas não tem ferrovias que funcionem e, aquelas que possuía, desativou.

“O Brasil, a meu ver, tem uma vocação logística extremamente clara, mas não a aproveita. Prefere deixá-la abandonada. Poderia seguir, ao menos, o exemplo da Vale, que coloca essa vocação em prática. A Vale tem o caminhão para o transporte de curta distância entre a mina e o ponto de embarque na ferrovia; tem a ferrovia, para cumprir a distância média, do ponto de embarque do caminhão, ao porto. E tem navios, para o trajeto das grandes distâncias, até chegar ao destino final”, diz Luís Fernando.

Mas, embora disponha dessa vocação para a intermodalidade, o Brasil adota um modal logístico deficiente e deformado: caminhões que transportam cargas do Norte ou do Nordeste através de estradas impraticáveis; ou da região Centro-Oeste, até o Porto de Santos ou de Paranaguá, comprometendo a sua capacidade de crescimento econômico aqui e no mercado externo.

Caso se transfira problema dessa ordem para os aeroportos, a situação se complica e teme-se um cenário de caos, antevendo-se o que poderá acontecer se nada for feito nesse segmento, antes da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016.

O programa de obras e os dois brasis

O mérito dos dois governos Lula não foi sequer o de elaborar projetos novos; foi reunir os que se encontravam abandonados nas gavetas da burocracia federal e colocá-los no PAC. “Ao menos”, diz Luís Fernando, “o PAC é uma diretriz e deu visibilidade aos projetos. Mas há, nele, um problema que me remete à pergunta que deixei sem resposta lá atrás: Por que as duas últimas administrações do Lula ainda não fizeram o que deveriam ter feito? Porque elas não tiveram capacidade de gerenciamento. Não faltaram recursos, talvez nem haja faltado vontade política; mas faltou capacidade de gerenciamento”.

O presidente do Sinicon estabelece um contraponto nessa questão, chamando a atenção para o que chama dois brasis: há, em seu entender, o Brasil do governo, dos órgãos de governo e de seus ministérios, que se dispõe a executar obras públicas prioritárias na área de logística e em outras áreas, mas que acaba não executando o que precisa ser feito. E há o Brasil-Petrobras, que consegue cumprir seus programas, seus objetivos cuidadosamente planejados. A Petrobras torna-se líder em seu segmento, pioneira em obras em águas profundas; bate recordes de produção; constrói portos, plataformas, navios, oleodutos, refinarias. E tudo dentro dos cronogramas de fixados. Ela mostra, com tudo o que vem fazendo, a distância que está a separar os dois brasis.

Luís Fernando acha que a incapacidade dos órgãos do governo em executar as obras que poderiam colocar a infraestrutura em dia consiste no círculo vicioso representado pelo projeto mal projetado; pela contratação mal contratada; pelo edital mal elaborado e conduzido que acaba permitindo a contratação pelo menor preço, que é um mal, independentemente de ser a empresa idônea ou não.

Hoje, as obras de infraestrutura iniciadas nos últimos anos, não estão acontecendo ou, se estão acontecendo, estão avançando devagar. Ele cita as obras da transposição do rio São Francisco, que tanta polêmica provocou. “Hoje, quem se lembra da transposição?”

E, sobre a questão dos últimos escândalos, diz que se tornou obsessão jogar toda a responsabilidade pelos atos de corrupção nas costas dos empreiteiros, quando esses problemas poderiam ser sanados a partir de projetos bem feitos e de editais que não deixem brechas para a possibilidade de aditivos contratuais. Considera, porém, que tem de haver responsabilização. Em identificado o culpado, que o culpado seja responsabilidade e que seja aplicada a lei para quem não cumpre os contratos.

Ele retoma o tema da falta de capacidade gerencial do governo e diz que o Brasil precisa investir muito em educação e profissionalização se quiser mudar de rumo. Senão, a distância entre os dois brasis vai se aprofundar e, então, corrigir a rota, implicará sacrifícios que a sociedade brasileira não merece e já não suporta.

Quinze anos à frente do Sinicon

Luis Fernando, que está há 15 anos à frente do Sinicon, uma entidade prestes a completar 52 anos de atividades, tem sido intérprete das questões setoriais em todo esse tempo.

Fonte: Estadão

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