*Júlio Cerqueira César Neto
No meu entendimento, a empresa não fez os investimentos necessários porque, a partir de 1990, ela passou por uma mudança radical no seu comportamento: era uma empresa comandada por sanitaristas preocupados com a prestação de serviços de saneamento básico para garantir a saúde dos seus usuários. A partir daí substituiu os sanitaristas por economistas e advogados e passou a se preocupar com a geração de lucros, com o objetivo de satisfazer os seus acionistas, mesmo em detrimento do atendimento dos seus usuários. Em 2000 lançou e colocou suas ações na Bolsa de Nova York e em 2010 ganhou o prêmio pelas ações que obtiveram a maior valorização no período. Assim, ela se transformou num balcão de negócios com sucesso. Aos usuários não sobrou nada.
Como essa crise pode ser superada? – Vou responder.
Estamos em agosto e até hoje o governo vem administrando a crise com visão exclusiva de curto prazo com o objetivo de passar o período eleitoral sem racionamento, se valendo do apoio da população em reduzir o consumo, do racionamento seletivo e especialmente do esgotamento não só da capacidade útil dos reservatórios, mas inclusive de todas as reservas técnicas disponíveis. Além disso, tem procurado minimizar a gravidade da crise induzindo as pessoas a acreditar que, com o início das chuvas em outubro, o problema estará resolvido.
Só que a gravidade da crise exige maior responsabilidade do governo. Era de esperar que ela já tivesse organizado e implantado, pelo menos a partir do final do ano passado, uma operação de guerra, mobilizando todo o potencial do estado para atacar o problema e devolver à população a situação que existia antes da crise, com a maior brevidade possível.
Essa operação deve incluir as medidas de longo prazo necessárias para superação das deficiências do sistema existente e outras a médio prazo para minimizar os dramas a que a região estará sujeita a partir do início do próximo ano, até que o sistema seja restabelecido.
E como ficaremos? – a revista pergunta. Pois bem. Só existe até hoje um refresco conhecido: o manancial subterrâneo nos oferece duas perspectivas, uma boa e outra ruim. A boa é que esse manancial, que já abastece parte da demanda da região com cerca de 10 m³/s, dispõe de outros 10 m³/s ainda inexplorados. A ruim é que, para termos sucesso, não só na parte já explorada, mas na nova, será necessário competente planejamento e gerenciamento que ainda não dispomos nos niveis desejáveis.
A agência da bacia do Alto Tietê, que é responsável por essa operação, foi criada em 2003 e praticamente desativada em 2006, não teve tempo de se organizar, e o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), responsável pela concessão das outorgas para abertura dos poços, voltou a assumir a responsabilidade de planejamento e gerenciamento que já exercia desde a sua criação há mais de 60 anos, tendo conseguido chegar à situação atual de termos em operação mais de 10.000 poços. Destes, a maior parte é clandestina e uma parte menor está desativada, por causa de contaminação.
Esses 10 m³/s não serão suficientes. Por isso, teremos de ser criativos e descobrir outras soluções urgentemente para tentar mitigar o desconforto e especialmente os riscos do retorno de moléstias que serão causadas pela falta de água e consequente queda dos níveis de higiene da população.
*Júlio Cerqueira César Neto é engenheiro, membro do conselho deliberativo do Instituto de Engenharia de São Paulo
Fonte: Revista O Empreiteiro