O duro aprendizado e o juramento dos engenheiros

Paulo Helene*

Resposta à 1ª questão. – Sem dúvida a engenharia brasileira está aprendendo a duras penas, pois a demanda tem sido intensa e a penetração de empresas estrangeiras fornecedoras de equipamentos, materiais e sistemas, e até mesmo construção de projetos mais sofisticados tem ocorrido com frequência. É comum o estabelecimento de parcerias entre projetistas brasileiros e estrangeiros, entre construtores, enfim. Está havendo uma transferência de tecnologia, mas o gap de conhecimento tem gerado uma certa incerteza quanto ao futuro de algumas empresas nacionais por causa da agressividade e competência das empresas estrangeiras.

Resposta à 2ª questão. – Considerando que a engenharia civil compreende as etapas de projeto, materiais, construção e uso, sem dúvida a engenharia brasileira se destaca nas etapas de materiais e de construção de grandes obras. A indústria de cimentos e de siderurgia brasileiras (leia-se grupo Votorantim e grupo Gerdau), têm padrão internacional e são capazes de competir em igualdade de competência, produtividade, atualidade e qualidade com os melhores grupos internacionais. As construtoras brasileiras de estradas, barragens, pontes, túneis e metrô também são respeitadas e consagradas no País e no exterior como de primeira linha, orgulhando qualquer engenheiro por mais rigoroso que seja. Nessas áreas o Brasil é páreo para qualquer outro país industrializado. Infelizmente, não se pode dizer o mesmo quando o tema é edificações residenciais e comerciais. Nesse campo o atraso é evidente, da arquitetura à construção e operação passando significativamente pelo projeto estrutural e de facilities. Para a construção de estádios, grande parte de nossa engenharia de projeto, de materiais, de execução e até de arquitetura teve de buscar tecnologia externa. Se amanhã um investidor decidir construir um edifício de 300 m de altura (como a Torre Costanera de Santiago do Chile), a engenharia brasileira vai possivelmente agir da mesma forma, buscando desde elevadores e o projeto de arquitetura, até materiais e execução. Os dois museus importantes em construção no País, o MIS e o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, são projetos de escritórios estrangeiros. A engenharia de construção brasileira tem dificuldade para vencer os “desafios” especificados nesses projetos, a exemplo do que ocorreu com a Casa da Música, o Museu Iberê Camargo e outras obras consideradas emblemáticas. É por isso que estão penetrando facilmente no País os escritórios de projeto de arquitetura e estrutural, os softs estruturais e de gerenciamento e os fornecedores de materiais e sistemas de obras sofisticadas. Infelizmente, ainda há grande atraso no domínio de estruturas mistas, de estruturas compostas, de estruturas de pré-moldado. O resultado tem sido, lamentavelmente, uma série de acidentes, colapsos, interdições inesperadas e reformas precoces.

Respostas às duas questões expostas na 3ª pergunta. – A normalização de um país é o retrato de seu grau de desenvolvimento. Novamente é necessário separar as especialidades. Na área, por exemplo, de cimentos, agregados e concreto, o Brasil tem um lugar de destaque e tem sido reconhecido como líder e um dos referenciais para o a normalização mundial. Foi um dos primeiros a bem introduzir adições, critérios de desempenho, coprocessamento, substituição de combustível, enfrentar o problema de reação álcali-agregado com medidas profiláticas inteligentes e sustentáveis, aceitar maiores teores de MgO, limitar cloretos, e hoje é considerado o país de melhor índice de sustentabilidade na fabricação de cimentos, o material de construção mais consumido pela humanidade. Infelizmente não se pode dizer o mesmo dos materiais tipo aditivos, adesivos, elastômeros, impermeabilizantes, hidrofugantes, revestimentos, nos quais a carência de normas e o atraso é sentido duramente pelo setor. Ha poucos anos, a ABNT chegou a ter mais de 15 mil normas no seu acervo. Hoje talvez não chegue a 10 mil, porque muitas delas caducaram, os produtos inexistem e novas não foram geradas. Por outro lado hoje há maior interação do meio técnico nacional com o estrangeiro e da ABNT com os organismos similares de caráter internacional tipo ISO, e eu gosto de pensar que em poucos anos seremos capazes de reverter essa tendência e ajustar melhor e mais rapidamente nosso acervo aderindo e aproximando-o à normalização internacional.

Resposta à 4ª questão.- Esse é um tema complexo e controverso. Particularmente sou favorável ao exercício profissional com responsabilidade e com penalidade aos corruptos, incompetentes e irresponsáveis. A ninguém é dado o direito de desconhecer as leis e da mesma maneira a nenhum engenheiro é dado o direito de desconhecer as normas técnicas e a arte de bem projetar e bem construir. A profissão do engenheiro é igual a de um médico. É uma profissão de “confiança pública” e confiança não se impõe; ao contrário, deve ser conquistada dia a dia ao longo dos tempos com atos, obras e posturas. Assim como para os advogados as leis são os grandes referenciais balizadores do exercício profissional, para nós, engenheiros, o referencial são as normas de projeto, de execução e controle, de produto e mais recentemente de desempenho. Não há como aceitar passivamente que colegas contrariem essas regras. No juramento de engenheiro praticado por todos ao formar-se, juramos algo assim: “Prometo sob juramento observar os postulados da ética profissional, concorrer para o desenvolvimento da técnica, da ciência e da arte e bem servir aos interesses da sociedade e da nação”. Em definitivo vê-se claramente que nosso compromisso profissional é com a sociedade e não com a engenharia mal praticada.

*Paulo Helene, professor e diretor da PhD Engenharia

Fonte: Revista O Empreiteiro

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