Entidade da engenharia sai em defesa de postura profissional e se coloca contra argumento de que "problemas estruturais de projeto, em relação à carga de vento, seria a causa da interdição". Consórcio construtor alegava que ventos superiores a 63 km/h poderiam derrubar a cobertura
Nildo Carlos Oliveira
Por que o Engenhão, como acabou sendo chamado o Estádio Olímpico “João Havelange”, foi interditado? A data de 26 de março último deve ser lembrada. Naquele dia, o Consórcio Engenhão, por intermédio de um comunicado oficial para a Empresa Municipal de Urbanização do Rio de Janeiro (RioUrbe) e para a Secretaria Municipal de Obras da Prefeitura do Rio de Janeiro pediu que a arena fosse interditada.
Havia um fundamento na solicitação. Ele constava de estudos teóricos realizados pela empresa alemã Schlaich, Bergermann und Partiner (SBP). Resumidamente, esses estudos concluíam que a estrutura da cobertura do estádio deveria ser submetida a intervenções preventivas para o restabelecimento dos níveis de segurança recomendados pelas normas técnicas. Caso isso não fosse feito — assim era de se presumir — as coisas ficariam feias. Nesse caso, seria melhor prevenir do que remediar. Com essas e outras, o estádio só deverá ser reaberto em 2014.
O Engenhão tem um histórico curioso. Concebido na fase dos estudos para a montagem da infraestrutura dos Jogos Pan-Americanos de 2007, a construção da obra deveria vir acompanhada de uma série de benefícios locais que o prefeito do Rio, na época, alardeara. Situado em área atendida por dois modais de transporte – a linha férrea, contigua ao estádio, e a Linha Amarela — poderia, ainda, contar com o traçado do metrô nas proximidades. E, depois dos Jogos Olímpicos, ele se tornaria, por conta de seu uso massivo, um equipamento urbano indispensável à melhoria da qualidade de vida da população do Engenho de Dentro, tradicional bairro da Zona Norte carioca. Com o passar do tempo, nada disso aconteceu. As boas perspectivas continuaram apenas como promessas.
O histórico tem outros ingredientes. A construção acabou dividida em duas etapas. Na primeira, as obras ficaram a carga do consórcio formado pelas empresas Racional Engenharia, Delta e Recoma. Como as coisas não estavam evoluindo segundo o cronograma e os prognósticos, veio uma segunda etapa e, nesta, as obras prosseguiram, mas a cargo de outro consórcio, este formado pelas empresas OAS e Norberto Odebrecht.
O projeto de arquitetura (escritório Carlos Porto, Lopes, Santos e Ferreira Gomes) foi considerado muito bom e atendia às diretrizes do um programa cuidadosamente elaborado. O projeto das estruturas de concreto ficou a cargo dos escritório de Bruno Contarini e de César Pereira Lopes, enquanto o projeto das estruturas metálicas era entregue ao escritório Projeto Alpha Engenharia de Estruturas Metálicas, de responsabilidade do engenheiro Flávio D´Alambert.
Aparentemente, do ponto de vista de projeto e de construção, não haveria motivos para um estádio, com apenas sete anos de uso, acabar interditado. Mas veio a interdição e o peso da responsabilidade por esse fato incidiu em especial sobre os ombros do calculista da estrutura da cobertura. Foi aí que a Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural (Abece) decidiu analisar os prós e os contras, a fim de avaliar as hipóteses utilizadas no relatório da empresa alemã e apresentar conclusões.
O laudo da britânica BRE
A empresa contratada pela Abece foi a britânica Building Research Establishment Ltd (BRE), considerada referência mundial em serviços de consultoria e certificação de ensaios em túnel de vento. Coube a ela realizar os estudos e a posterior elaboração de um laudo comparativo sobre os estudos dos ensaios realizados pela empresa canadense Rowan Williams Davies & Irwin Inc. (RWDI) , em 2004, e pela Wacker Ingenieure, em 2012, para a SBP.
Os ensaios realizados em 2004, por aquela empresa canadense, a RWDI, constituíram a base para o desenvolvimento do projeto estrutural da cobertura, de responsabilidade de Flávio D´Alambert. E o trabalho da empresa BRE mostra que o relatório da empresa alemã SBP, que fundamentou o ato de interdição, desprezou “integralmente os ensaios realizados pela RWDI”.
A Abece informa que “analisando-se os relatórios da RWDI e da Wacker encontram-se ali grandes diferenças nas matrizes de carregamento recomendadas pelos dois laboratórios. De tal sorte que, em determinados casos, a empresa Wacker apresenta, para as mesmas situações, resultados três vezes superiores aos encontrados nos ensaios da RWDI”. Deduz, a partir daí, que tais discrepâncias “induziram a resultados divergentes entre o projeto estrutural original e o parecer da alemã SBP”.
A BRE, analisando os ensaios realizados pela RWDI em 2004 e pela Wacker em 2012, concluiu o seguinte: “Em face das considerações efetuadas em nosso relatório, acreditamos mais nos resultados dos testes realizados pela RWDI do que nos resultados dos testes realizados pela Wacker. Em consequência recomendamos que devam ser adotados os resultados descritos no relatório da RWDI para a análise estrutural da estrutura de cobertura do estádio”.
O parecer final, de uma comissão de especialistas formada pela Abece, para analisar o caso, apresenta as seguintes recomendações:
• Seja solicitada a revisão do relatório da SBP considerando-se agora as matrizes de ações devidas ao vento determinadas pelo laboratório da canadense RWDI e certificadas pela empresa britânica BRE;
• Que essa revisão incorpore conceitos e procedimentos constantes nas normas brasileiras, especialmente aqueles referentes aos coeficientes de ponderação dasações;
• Que sejam seguidos os preceitos constantes do manual de manutenção elaborado em 2007 pelo projetista da estrutura da cobertura (Projeto Alpha) e pelo Consórcio Engenhão, parte integrante do pacote de entrega da obra;
• Sejam seguidas as diretrizes indicadas no laudo de aceitação da estrutura de cobertura, a saber: monitoramento topográfico e instrumentação investigativa do real desempenho e segurança da estrutura.
Fonte: Revista O Empreiteiro