Nildo Carlos Oliveira
– Que rumor é esse?
– Não se assuste; é o governo que cai.
– Mas eu ouço aclamações.
– Então é o governo que sobe. Amanhã é tempo de ir cumprimentá-lo.
O diálogo acima, extraído de uma das obras do mestre Machado, dá bem uma ideia de como tem sido feita, desde a Colônia, a composição para acomodações do Poder. Em nenhum momento ele criou condições para mudanças profundas mediante o acolhimento de protagonistas com forças suficientes para alterar o equilíbrio de forças dos que se julgam donos do Brasil.
Do Império à República, o patrimonialismo sobrevive. Haja vista os exemplos recentes envolvendo o presidente do Senado, o presidente da Câmara dos Deputados e um ministro, sem falar de outras figuras, mais pálidas, de instâncias inferiores.
Renan Calheiros não abriu mão da possibilidade de invocar direitos a fim de tomar um avião da FAB para participar das festas do casamento da filha de um parlamentar. E Henrique Alves e Garibaldi Alves não hesitaram em fazer o mesmo para chegar ao Rio ainda a tempo de assistir ao final da Copa das Confederações.
Os exemplos são múltiplos. É como se a miopia política – herança dos donatários – os impedisse de ver a separação que existe entre o público e o privado. Políticos, tão logo assumem a posição para a qual foram eleitos, deixam de enxergar essa separação e passam a confundir as coisas, às vezes, arbitrariamente, com voz de mando: “Você sabe com quem está falando?”
Talvez o governador Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, ainda não saiba por que durante tanto tempo sua casa ficou sitiada por manifestantes. Mas os que articularam o cerco sabem as razões que os levaram a mantê-lo em sobressalto. É que estes provavelmente não esqueceram a cena, em Paris, em que ele e um empresário da construção civil foram apanhados em esbórnia, durante viagem cujo propósito seria um encontro com o Comitê Organizador do Rio 2016.
Como os exemplos vêm de cima, os que vivem da exploração de serviços prestados ao povo também se julgam no direito da ostentação, como se esta fosse um sinal de Poder. E foi isso o que aconteceu com um empresário do ramo dos transportes públicos, no Rio de Janeiro. Ele patrocinou uma festa de R$ 3 milhões no Copacabana Palace para comemorar o casamento da filha, num instante em que a população enchia as ruas protestando contra o aumento nas tarifas de ônibus. O povo entendeu que estava sendo afrontado e reagiu como pôde.
Os protestos nas ruas, inicialmente a título de reivindicar redução ou a anulação do aumento das passagens de ônibus, é um instante em que a população quer virar protagonista de sua história contra os que se julgam donos do País. Com a conjunção da população no Poder será mais fácil organizar a vida brasileira.
Fonte: Revista O Empreiteiro